ENTREVISTA ÚRSULLA ESTRELLA - MALBEC
Franklin Bittencourt, é professor de graduação do ES com especialização em Enogastronomia e 11 anos de atividade acadêmica. Jurado TOP Five nas três últimas edições da ExpoVinhos Vitória. Franklin, parte para o 3° nível de certificação internacional na Wine & Spirit Education Trust (WSET). O professor Franklin foi o responsável pela criação do primeiro curso de Sommelier profissional do estado, atualmente é professor de Gastronomia e Enologia, e também coordenador do curso na faculdade Novo Milênio.
Durante 25 anos, Franklin trabalhou em multinacionais, na área de Recursos Humanos, mas foi em 2003 que decidiu mudar de ares. Traçando seu caminho como Expert em vinhos, fez o curso de Sommelier profissional na ABS-SP (Associação Brasileira de Sommeliers). Referência em conhecimento, qualidade de ensino e dedicação na aprendizagem dos participantes, são os destaques do professor Franklin Bittencourt! Seja você também Expert em Vinhos!
Analisar o vinho com suas possibilidades de degustação e harmonização, é um dos objetivos do curso de SOMMELIER. Além de preparar os participantes de acordo com os parâmetros de qualidade, a fim de proporcionar experiências Enogastronômicas prazerosas. O Sommelier é o Expert em Vinhos, possui conhecimentos avançados da bebida de Baco. Sua origem, história, cultivo, tipos de castas, processos, práticas de armazenamento, até às degustações e harmonizações.
O Curso de Sommelier Profissional é indicado a todos que desejam conhecer o universo emblemático dos vinhos, como também para quem quer ingressar profissionalmente no mercado de trabalho. É o mais preparado para garantir os melhores rótulos aos amigos e à mesa. Referência em conhecimento, qualidade de ensino e dedicação na aprendizagem dos participantes, são os destaques do professor Franklin Bittencourt! Seja você também Expert em Vinhos!
FRANKLIN BITTENCOURT
SOMMELIER CAPIXABA, PROFESSOR ESPECIALISTA EM ENOGASTRONOMIA
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Bacalhau, tradição, cultura e suas harmonizações técnicas e regionais
A Páscoa é a celebração cristã da ressureição de Cristo e nos prepara para receber o Espírito Santo prometido. Mas o que muitos não sabem é que nesse período começa no domingo da ressureição e termina no domingo de Pentecostes (com duração de 50 dias). Anualmente é comemorada no Domingo de Páscoa, e diversos costumes se criaram nesse período Pascal. É uma festa móvel, nesse ano vai acontecer no dia 12 de abril, manter a abstinência no consumo de carne vermelha é um ritual de sacrifício dos fiéis.
Um dos grandes pratos da gastronomia capixaba, a Torta Capixaba, tornou-se tradição de consumo no período da Quaresma e principalmente, na Semana Santa, e tem o poder de reunir e socializar amigos e famílias para celebrar o amor, a união e o respeito ao sagrado. O prato leva vários ingredientes, entre frutos do mar, especiarias e cheiro verde e entre os principais, o bacalhau. A cultura de preparar bacalhau no Brasil, claro vem da terrinha, dos nossos irmãos portugueses.
Portugal é um país de vasta e riquíssima gastronomia não costumam mexer na forma de preparo e troca de ingredientes, não se permitem a desconstrução dos pratos, a tradição sempre é mantida, são até capazes de produzir vinhos especialmente para combinar com seus pratos. Não por acaso Felipa Pato, enóloga da Bairrada disse: “Faço vinho a pensar na comida”. Lá se preparam mais de 500 pratos à base de bacalhau e sempre acompanhados por um bom vinho. Pelas suas características, o bacalhau é um caso especial. Um ingrediente que pode ser delicado e, ao mesmo tempo, agressivo e salgado e que pode admitir tintos e brancos.
Nos restaurantes e Tascas de Lisboa o tinto parece ser o preferido. O português costuma optar pelos simples, o que pode ser uma atitude sabia. Isso porque o bacalhau pode ficar muito desagradável diante de grandes vinhos tânicos. Os vinhos brancos mais leves e refrescantes normalmente são dominados pela intensidade do bacalhau, enquanto os taninos dos tintos mais encorpados travarão batalha sem vencedores contra o sal do peixe. Mas, como existem centenas de receitas de bacalhau, todas elas se harmonizarão com o mesmo vinho? Evidentemente que não.
Ensopados ou miga de bacalhau, com sabor mais acentuado e textura macia, essas receitas acompanham um vinho de maior volume. Uma boa ideia é abrir um Chardonnay com passagem por barrica de carvalho.
Bacalhau frito, com textura densa e quantidade de gordura significativa, estes pratos requerem esforço maior na seleção do vinho. O ideal é apostar em um vinho tinto mais intenso, proporcionando mais força à receita.
Bacalhau assado ou na brasa, as receitas costumam ter sabor mais intenso. Costumam estar aliadas a outros insumos igualmente potentes, como azeite de oliva, batatas assadas, pão torrado, azeitonas verdes ou pretas. Quando preparado dessa forma, o sal do peixe se torna muito presente na boca e intensifica os aromas do prato. Assim como na sugestão acima, aqui cabem os tintos ou brancos encorpados, com boa estrutura. A acidez vigorosa é importante para compensar a untuosidade da receita. Os grandes espumantes, de complexidade aromática, com boa persistência de boca também são uma ótima pedida.
Brandade de bacalhau Prato, de origem francesa, ele leva à mesa bacalhau salgado e seco, alho, azeite e purê de batatas. Geralmente, é acompanhado de croutons e é muito saboroso. Com sal finamente acentuado no palato, a Brandade pede por um vinho extremamente fresco e aromático Riesling da Alsácia. Para harmonizar perfeitamente vinho e bacalhau nesse caso, escolha um branco jovem, de acidez elevada para trazer frescor à boca. Em relação aos aromas, a bebida deve apresentar frutas cítricas e mineralidade. O mesmo estilo de vinho entra em sintonia com os deliciosos bolinhos de bacalhau.
Bacalhoada, composta por ingredientes como tomates, pimentão e alho, dando muita intensidade ao prato. Na maioria das vezes, os brancos não terão força para acompanhar a receita e vão “sumir” na harmonização. Mas também é preciso ter cuidado com os tintos, pois os taninos somados ao sal podem deixar a boca com um gosto metálico. A solução é um vinho tinto mais leve. Para não errar, escolha um Pinot Noir, que é menos denso e tem aromas de frutas vermelhas como morango, cereja e framboesa. Uma das características dessa uva é originar vinhos com menos cor e menos taninos, e esse é o grande trunfo para torná-la a acompanhante perfeita da sua bacalhoada.
Bacalhau no leite, também chamado de bacalhau à moda antiga, pois tradicionalmente os portugueses cozinhavam o peixe no leite depois da salga. Por não ser um prato muito potente em especiarias e ter um sabor delicado, harmoniza bem com vinhos brancos jovens de boa acidez e notas cítricas.
Bacalhau à Gomes de Sá, uma das mais famosas da gastronomia portuguesa, a receita do bacalhau à Gomes de Sá foi criada pelo negociante de peixes José Luís Gomes de Sá Júnior. Para a receita, o bacalhau deve ser desfiado e, depois de descansar no leite por duas horas, ele é cozinhado e assado com azeite, alho, cebola azeitonas pretas e ovos. Como você pode perceber, o bacalhau é um insumo que permite uma gama muito grande de harmonizações. Portanto, para combinar perfeitamente os sabores do prato e da taça, é fundamental que você considere a maneira como é preparado o peixe. Afinal, é ela que vai dar as pistas sobre quais vinhos valorizam sua receita e quais serão apagados por ela.
Bacalhau à moda portuguesa, harmoniza com vinho tinto de corpo médio para leve do Douro.O mais tradicional dos preparos, a receita de bacalhau à moda portuguesa é feita com o peixe seco dessalgado ao forno, acompanhado com batatas, cebola, alho, ovo e azeitona – claro, tudo isso regado a muito azeite. Mesmo que dessalgado, o bacalhau acaba mantendo o seu sabor intenso e o seu caráter levemente salgado, e é justamente por isso que o ideal é procurar por um vinho tinto de corpo médio e poucos taninos.
Bacalhau à lagareiro, harmoniza com Vinho Verde a receita de bacalhau à lagareira, que teria se originado do preparo do peixe empanado com restos de pão duro e frito em lagares de azeite, hoje é sinônimo de bacalhau empanado acompanhado de batatas assadas esmurradas com cebola, alho e muito azeite. A crosta crocante do bacalhau e o azeite usado para regar o prato se complementam perfeitamente bem na acidez acentuada e nas borbulhas frescas do muito bem feito Adega Guimarães Vinho Verde.
Bacalhau às natas, harmoniza com vinho branco do Douro o mais cremoso dos preparos de bacalhau, a receita de bacalhau às natas é feita a partir do peixe dessalgado com batatas cortadas em pequenos cubos e fritas, cebola e ervas frescas e finalizada no molho bechamel, natas, farinha de pão e queijo ralado. Branco de alta acidez.
Bacalhau à brás, harmoniza com vinho Verde da uva Alvarinho depois de cozinhar e refogar o bacalhau em azeite, alho e ervas frescas, a receita de bacalhau à brás é finalizada com ovos cremosos e batata palha. Seja pelo sabor intenso do ovo ou pela batata, que empresta mordida crocante ao prato, o preparo precisa de um branco de acidez vibrante.
Bacalhau ao Zé do Pipo, depois de proceder a dessalga, reconstituir a gordura colocando os cubos de bacalhau e cobrindo com leite, levar ao fogo e deixar o leite ferver, esperar o leite esfriar, desfiar o bacalhau, fazer um purê de batata com o leite utilizado na reconstituição da gordura, montar o prato gratinar e servir com Vinho Verde Deu La Deu da uva Alvarinho ficará perfeito.
Torta Capixaba, espécie de moqueca com ovos, a torta capixaba é tradição de Páscoa no Espírito Santo, na panela de barro, bacalhau, palmito e frutos do mar se juntam aos ovos para dar origem à torta. Harmonização complexa, ingredientes diversos de sabores e características diferentes. Vinho francês Tavel rose blend.
Dica: Peixe e vinho tinto a grande dificuldade de harmonizar com peixe é o tanino componente do vinho tinto, responsável pela sensação de adstringência em nossa boca, quando misturados causam sensação gustativa de metal em nossa boca. Como resolver? A resposta também vem de Portugal, durante as preparações dos pratos são usados muito cebolas dando doçura ao prato e para harmonizar são servidos vinhos tintos de corpo mediano e frutado criando similaridade por doçura.
Franklin Bittencourt
Professor titular das cadeiras Enologia/Enogastronomia
Faculdade Novo Milênio Vila Velha
Fundador da Académie du Vin Franklin Bittencourt – Escola de Sommelier, Pioneira no Espírito Santo. 2020
OS AROMAS PRIMÁRIOS OU AROMAS DE CEPAS
Os aromas primários ou aromas de cepas Embora sejam relativamente poucos odorantes em relação a outras frutas ou flores (frutas cítricas, morango, tomilho, rosa...), as uvas contêm aromas característicos. Algumas são comuns às 9.600 cepas descritas por P. Galet (2000), outros mais característicos de uma determinada cepa ou grupo de cepas, alguns são perceptíveis da na uva, outros só se revelam no momento da fermentação.
Os derivados dos carotenoides, todas as uvas contêm vários carotenoides (caroteno, luteína...), pigmentos amarelos de inúmeros vegetais, com teores de 15 a 2000 ug/l. (A concentração ppm em massa expressa a massa de soluto (disperso), em µg (micrograma), existentes em 1 g (1 milhão de µg) de solução. Exemplo: Quando se afirma que a água poluída de um rio contém 5 ppm em massa de mercúrio significa que 1 g da água deste rio contém 5 µg de mercúrio). Esses produtos são poucos solúveis na água e muito pouco odorantes, mas durante a extração do mosto são transformados em moléculas menores, seus compostos de 13 átomos de carbono se transformam em outros compostos voláteis, odorantes.
Os principais compostos que nos interessam são, por exemplo, B-ionona, com cheiro de violeta, a B-damascenona, com cheiro de frutado e liberado na evolução dos vinhos. Presente em todos os vinhos, os derivados dos carotenoides certamente participam no aroma de várias cepas: syrah, muscat, merlot, cabernet sauvignon – de forma mais ou menos intensa conforme a maturação, o clima, as técnicas enológicas. O TDN¹º desempenha um papel importante no cheiro de petróleo dos velhos riesling, e constitui também um bom marcador da trituração da colheita.
O seu teor é muito variável e pode atingir 3000 a 4000 ug/l nos finais de prensagem, conferindo caráter desagradável de hidrocarbonetos. Os compostos “Herbaceos” quando há fragmentação das células na presença do ar, os vegetais (banana, ervilha, jasmim...) produzem substâncias com um caráter desagradável de tipo “herbáceo, vegetal, herboso”, amargo, às vezes decorrente da presença de aldeídos “em C6” ou seja, com 6 átomos de carbono), em seguida de álcoois correspondentes provenientes de lipídios das paredes celulares. Esses compostos são muito odorantes (limiar de percepção do hexanol: 0,5 mg/l) e, mesmo abaixo do limiar de percepção, reforçam o caráter herbáceo dos vinhos, particularmente marcante quando as uvas mal amadurecidas ou quando a colheita incorpora folhas.
O seu teor diminui espontaneamente no momento da fermentação. Os aromas de muscat – o grupo de uva muscat é o melhor exemplo para definir a noção de aroma primário, pois são as uvas mais perfumadas e seu aroma é unanimemente apreciado desde a Roma antiga. Esse caráter “Muscat” e “muscaté” é completamente diferente do “almiscarado” derivado do “almíscar” liquido animal do cervídeo asiático chamado de porta-almíscar, apesar da proximidade etimológica. É também o que foi mais estudado e cujos compostos são mais conhecidos, permitindo (quase) uma reconstituição artificial correta. As 150 diferentes cepas “Muscat” mais os sinônimos, têm em comum caracteres olfativos claros.
O “gosto de Muscat” conhecido há dois milênios decorre da presença de diversos compostos da família dos terpenos. Essa família química, constituída por milhares de compostos, é onipresente no mundo vegetal: dos cítricos aos resinosos, passando pela menta e pelo eucalipto. Também é encontrada no mundo animal (diversos feromônios, hormônios...). Na vinha foi identificada meia dúzia de terpenos simples e algumas dúzias de derivados. A uva contém terpenos “ligados” a uma molécula de açúcar, não odorantes, assim como derivados mais ou menos odorantes. O papel essencial é o dos glicosídeos terpênicos, mais abundantes que os terpenos livres. Eles liberam os terpenos odorantes sob a ação das enzimas das leveduras.
Os vários aromas se adicionam, com um efeito sinérgico que os reforça mutuamente. As inúmeras “cepas Muscat” constituem uma das famílias aromáticas mais disseminadas e características de todas as Vitis vinífera. Frequentemente utilizadas como uvas de mesa no mundo inteiro, encontram-se na origem de inúmeros vinhos doces naturais (VDN): Rivesaltes, Frontignan, Beaumes de Vernise... na França, Samos na Grécia, Pantalleria na Itália, Setubal em Portugal, vários “Moscateis” na Espanha também, e também na de vinhos suaves não fortificados (Muscat de Navarra) ou secos (Muscat da Alsácia). A experiencia mostra que é recomendável conservar algumas gramas de açúcares para evitar o aparecimento do amargo.
Durante a evolução do vinho, observam-se transformações importantes das várias formas terpênicas, daí as grandes diferenças entre os vinhos de Muscat jovens, muitos florais, frutados, e os vinhos de Muscat mais velhos, mais condimentados, cerosos... Temos ainda os mesmos terpenos nas cepas aromáticas (Riesling, Sylvaner, Muller Thurgau, Gewurztraminer, Albariño, porém com teores muito mais fracos, embora superiores ao limiar de identificação, e até mesmo em alguns clones de Chardonnay eliminados das seleções clonais como atípicos. Aromas de Sauvignon blanc, muito diferente o Sauvignon blanc é hoje bastante conhecido pelos trabalhos da Escola de Bordeaux (1980 – 1990). Seu aroma típico provém de compostos muito odorantes da família dos tióis, em dose extremamente fracas. Temos também esses compostos, em doses às vezes elevadas, na toranja (ou pomelo, para ser exato), no cassis, no maracujá, na goiaba. Percebe-se que esses compostos têm cheiros muito diferentes: de acordo com suas taxas respectivas manifesta-se um aroma frutado, de tipo cítrico, de limão... ou um aroma vegetal como o do buxo, da giesta ou, mais curiosamente, o “xixi de gato”.
Esses últimos caracteres, decorrentes de mutações insuficientes, costumam ser rejeitados. No entanto, recentemente surgiram comentários muitos elogiosos de grandes especialistas sobre vinhos das zonas frescas do Chile, da África do Sul, da nova Zelândia, com caracteres marcados de buxo ou de aspargo. A diversidade de gosto predomina no mundo do vinho. Para ser preciso, esses compostos da cepa encontram-se na uva e no mosto na forma de percussores não odorantes. A uva Sauvignon blanc é pouco tipificada, salvo depois da mastigação da película durante alguns segundos, provavelmente pela liberação dos compostos odorantes sob a ação das enzimas salivares. Essa técnica simples é recomendada para acompanhar a “maturidade aromática” do Sauvignon blanc e das outras cepas. O fenômeno é geral ao longo da fermentação alcoólica pelas enzimas das leveduras de atividade que variam muito conforme as cepas.
Dessa forma foram selecionadas cepas de leveduras secas ativas (LSA) mais eficazes para desenvolver a “tipicidade sauvignon blanc) além de seus outros aromas fermentativos. Os vinhos de Sauvignon podem ser mais aromáticos ou menos, conforme os clones, as condições de cultivos, o rendimento, o clima, o grau de maturidade. Encontram-se também alguns desses tióis nos vinhos de Merlot e Cabernet sauvignon em quantidades que podem ser superiores ao limiar da percepção, em particular nos rosés e claretes. Esses aromas varietais do Sauvignon blanc são mais frágeis, deteriorados pelos tratamentos cúpricos (calda bordalesa) do vinhedo, por um excesso de maturação, por leves oxidações.
Émile Peynaud, organizou e ensinou a degustação precisa, eficaz, adaptada a cada circunstancias, mas sempre simples, compreensível, sóbria Le Goût du vin em 1980, enólogo francês e pesquisador que foi creditado por revolucionar a produção vinho na segunda metade do século XX, e foi chamado de "o antepassado da enologia moderna”, começou sua carreira aos 16 anos, em Bordeaux, e acabou se tornando, mais tarde, professor de enologia da Universidade de Bordeaux, do Livro O GOSTO DO VINHO, Émile Peynaud e Jacques Blouin, ano 2010, Editora WMF Martins Fontes Ltda, páginas: 107, 108, 109 e 110.
AROMAS DOS VINHOS NA VISÃO QUÍMICA ENOLÓGICA
Os termos perfume, odor e, sobretudo, aroma e buquê designam o cheiro agradável que é liberado pelo vinho, de forma mais ou menos intensa, mais ou menos complexa. A palavra fragrância é mais do estilo poético. O cheiro depende da cepa, da origem do vinho, da sua idade e de seus estados de conservação. É um dos caracteres distintivos mais apreciados dos grandes vinhos.
Com frequência ocorre confusão quanto aos termos correntemente empregados para designar os cheiros. O degustador deve fazer distinção no seu vocabulário entre “aroma” e “buquê” e dar a esses termos, geralmente sinônimos, significados um pouco diferentes. Para alguns, os vinhos brancos teriam aromas e os vinhos tintos buquê. Isso é verdade na medida em que vinhos são bebidos jovens e os vinhos tintos são bebidos velhos. Não é verdade para todos os vinhos. Um montrachet de dez anos é todo buquê, um Beaujolais primeur é todo aroma.
Para outros o buquê é o cheiro percebido por olfação direta e o aroma e o aroma somente por via retro nasal, quando o vinho está na boca, no momento do consumo. Nessa acepção, a palavra “aroma” só seria utilizada no sentido de aroma de boca. Porém, essa definição não corresponde à que usa corretamente: O aroma é definido como o “princípio odorante liberado por várias substâncias de origem vegetal ou animal” e que se pode, portanto, respirar.
Parece-nos mais conveniente designar por aroma o conjunto dos princípios odorantes dos vinhos jovens, enquanto o buquê é o cheiro adquirido pelo envelhecimento, aquele que se manifesta com o tempo. Nesse sentido os vinhos jovens agradam mais pelo aroma do que pelo buquê, ao passo que nos vinhos velhos só o buquê permanece depois de alguns anos de conservação em garrafa. Convenhamos que a diferente é sutil e não justifica uma discursão verbal.
Continuando a análise, distinguem-se dois tipos de aromas. O aroma primário – ou original, varietal preexistente na uva, no mosto e que é extraído das películas das uvas. É o aroma de fruta, o “frutado” característico da cepa, do próprio clone (ou seja, da linhagem da vinha), podendo variar de intensidade, de fineza, conforme o cru, o estado de maturidade da uva, a carga de fruta da vinha. Veremos que algumas cepas finas: cabernet, pinot, sauvignon, riesling, muscat, etc., são extraordinárias pela natureza e poder de seu aroma primário. O aroma secundário ou fermentativo – aparece durante as fermentações.
É o cheiro vinoso intenso que se desenvolve sob a ação das leveduras, depois das bactérias, e cuja volatilidade nas colheitas toma conta das vinícolas. Esse fenômeno foi chamado de “fermentação aromática”. As transformações bacterianas úteis refinam em seguida, através de notas suplementares mais sutis, esses aromas fermentativos.
Eles podem ser dominantes em alguns vinhos brancos modernos, com aromas amanteigados. O cheiro do vinho jovem, enfim, é uma mistura de aromas de cepas e de aromas de fermentos. O aroma fermentativo pode ser intenso, muito agradável; não é suficiente para garantir as características olfativas de vinhos mais envelhecidos. O caráter aromático se atenua progressivamente. Depois de alguns anos de guarda, praticamente desaparece, dando lugar ao buquê.
Na realidade, vinhos de fabricação moderna – e isso é um progresso de nossas vinificações – Conservam melhor o aroma ao atingir a idade madura. Saber envelhecer é conservar por muito tempo as virtudes da juventude. Há sobretudo, intensificação e diversificação do cheiro, ou seja, aquisição de compostos novos e transformação.
O buquê, a mistura de perfumes complexos que o vinho velho exala na taça, certamente chamado assim por alusão ao perfume complexo de uma mistura de flores, desenvolve-se durante o envelhecimento, em parte muito provavelmente, a partir dos elementos dos aromas primários e secundários. Alguns o chamam de aroma terciário. A harmonia definitiva dos cheiros só se realiza com a cumplicidade do fator tempo. O buquê se traduz pela fusão, pela aglutinação olfativa. Somente vinhos de classe são capazes de passar do aroma ao buquê; sobre os outros diz-se que não envelhecem, que não adquirem buquê.
Cabe aqui opor dois tipos de buquês relacionados à tecnologia da conservação do vinho. Num primeiro caso, pode tratar-se de vinhos naturalmente ricos em álcool, ou enriquecidos por adição de aguardente, e originários em geral de regiões com clima quente. Essa fortificação é um meio de conservação e protege contra intervenções bacterianas que tornariam o vinho perecível. Como o álcool a 16º a 18º é relativamente bactericida, já não é necessário proteger o vinho com tanto rigor contra a ação do oxigênio, e a sua superfície pode ficar exposta ao ar em tonéis não completamente cheios.
Esse modo de conservação cria um tipo de envelhecimento chamado oxidante. O vinho adquire um buquê de oxidação marcado por substâncias de natureza aldeídica, com cheiro de maçã, de marmelo, de nôz seca, de ranço (rancio) de vinho Madeira. Esse tipo de envelhecimento fez Pasteur dizer: “É o oxigênio que faz o vinho.”
É o caso de certos vinhos doces naturais, o Banyuls, os Picardans das bases do vermute, os vinhos de licor, as mistelas das bases de aperitivos, o Porto, o Xerez oloroso ou amontillado, o madeira, o Marsala e o vinho Santo Italiano, o Manvrodaphne de Patras (Vinho Mavrodaphne of Patras 750ml Sobre o produto: Este intrigante tinto doce de sobremesa é uma especialidade do norte do Peloponeso - Grécia.
Ele é elaborado com a uva Mavrodaphne, envelhecido em barricas por seis anos) e muitos outros. Envelhecidos por exposição ao ar, esses vinhos tornaram-se insensíveis ao ar. Não melhoram na garrafa, mas não perdem suas qualidades após alguns dias em garrafa aberta.
Muito mais comum é o buquê de redução, dos vinhos de regiões vinícolas temperadas, elaborados o mais estritamente possível ao abrigo do ar. Os tonéis, os barris são sempre mantidos cheios até a borda, completadas, ou seja, preenchidos em intervalos próximos. Quando não é possível evitar completamente o contato do ar durante processos de transferência, transvasamento, deslocamentos, os vinhos são protegidos imediatamente por um agente antioxidante – os vapores do enxofre queimado, ou seja, o anidrido sulforoso.
Os vinhos desse tipo acabam rem garrafas fechadas por uma rolha longa, que garante a vedação por mais de vinte anos. Os vinhos tintos envelhecidos e os grandes vinhos brancos secos ou licorosos tem buquê de redução. Encontramos esse fenômeno ampliado, provocando, no momento da evolução “sob véu” (flor de levedura). É caso do fino de Jerez, da Manzanilla de Sanlúcar de Barrameda ou do VIn Jaune (vinho Amarelo) do Jura – França. Provoca-se o desenvolvimento de Leveduras formando um véu na superfície dos vinhos voluntariamente deixados em esvaziamento em tonéis sem completa-los.
As leveduras consomem o oxigênio, portanto transformam o vinho em meio redutor (ou seja, privado do oxigênio), e surgem cheiros muitos específicos. Esses vinhos são sensíveis ao oxigênio do ar e, depois de começada, a garrafa rapidamente perde a sua qualidade. Tive o prazer de descobri-los graças a um extraordinário enólogo da Rioja que exigiu que abrissem uma garrafa de fino no momento da degustação. É no caso desse vinhos que se aplica o axioma de Berthelot: “O oxigênio é o inimigo do vinho.”
Acreditou-se por muito tempo que o vinho envelhecia pela formação de ésteres.
A formação de ésteres é importante durante a fermentação alcóolica, e os ésteres desempenham um papel importante no aroma dos vinhos mais jovens. Em seguida, há uma lenta hidrólise química espontânea desses ésteres e em alguns meses seu papel aromático desaparece, mais rapidamente a temperatura mais elevada. A formação de ésteres durante a evolução, pela reação dos ácidos e dos álcoois do vinho – fenômeno chamado esterificação – só produz substâncias sem cheiro (hidrólise de Heterósides, transformação dos taninos). É necessário distinguir o buquê da maturação em tonéis ou em barris do buquê do envelhecimento em garrafas, pois se sabe que o nível odorante é sempre limitado no primeiro caso e que o máximo de intensidade é adquirido depois de alguns anos de guarda em vidro.
Quando o vinho é muito velho, o buquê evoca frequentemente o cheiro de alguns cogumelos. O buquê fica mais espesso e adquire um cheiro mais marcante: é o sinal da terceira idade para o vinho.
A descrição detalhada do aroma e do buquê pode ser feita do ponto de vista sensorial ou do ponto de vista químico. Tentaremos uma via intermediária, sem esquecer o essencial desse registro: os cheiros percebidos, aqueles que podem ser expressos. Um cheiro é resultado de vários odorophores, substâncias que nos parecem odorantes. Um odorophore pode provocar vários cheiros. É possível encontrar mais detalhes químicos em obras especializadas.
Émile Peynaud, organizou e ensinou a degustação precisa, eficaz, adaptada a cada circunstancias, mas sempre simples, compreensível, sóbria Le Goût du vin em 1980, enólogo francês e pesquisador que foi creditado por revolucionar a produção vinho na segunda metade do século XX, e foi chamado de "o antepassado da enologia moderna”, começou sua carreira aos 16 anos, em Bordeaux, e acabou se tornando, mais tarde, professor de enologia da Universidade de Bordeaux, do Livro O GOSTO DO VINHO, Émile Peynaud e Jacques Blouin, ano 2010, Editora WMF Martins Fontes Ltda, páginas: 107, 108, 109 e 110.